Nota Pública sobre extinção Dipebs
As Comunidades Surdas Brasileiras, em especial a cearense, vêm por meio desta nota repudiar o trecho do Decreto nº. 11.342, de 1º de janeiro de 2023, que suprime a Diretoria de Políticas de Educação Bilíngue de Surdos da estrutura do Ministério da Educação. Esta Diretoria, que conta com o respaldo das comunidades surdas e sua principal instituição representativa, a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos, está prevista no Relatório Final de Política Linguística de Educação Bilíngue – Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa, do Grupo de Trabalho, designado pelas Portarias nº 1.060/2013 e nº 91/2013 do MEC/SECADI.
O referido decreto, ao retirar a Diretoria de Políticas de Educação Bilíngue de Surdos da estrutura do MEC, ignora a meta 4.7 do Plano Nacional de Educação (Lei nº. 13.005/2014), que garante “a oferta de educação bilíngue, em Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS como primeira língua e na modalidade escrita da Língua Portuguesa como segunda língua, aos (às) alunos (as) surdos e com deficiência auditiva de 0 (zero) a 17 (dezessete) anos, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas”. Desconsidera, ainda, o Art. 28 da Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº. 13.146/2015), que incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar “a oferta de educação bilíngue, em Libras como primeira língua e na modalidade escrita da língua portuguesa como segunda língua, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas.” Também omite a Lei de Diretrizes e Bases da Educação que reconhece a Educação Bilíngue de Surdos como a oitava modalidade regular de ensino, desvinculada da educação especial (Lei nº. 14.191/2021).
Ciente do pleito das Comunidades Surdas Brasileiras, o nosso recém empossado Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, quando candidato às últimas eleições, assinou termo de compromisso no qual manifestou concordância com a manutenção da referida Diretoria de Políticas de Educação Bilíngue de Surdos na estrutura do Ministério de Educação:
O candidato à Presidência da República Federativa do Brasil, do Partido dos Trabalhadores (PT), compromete-se, caso seja eleito, a:
1. Garantia de permanência da Diretoria de Políticas de Educação Bilíngue de Surdos (DIPEBS) com autonomia para organizar e implementar políticas educacionais e linguísticas para os surdos, subsidiadas pelo Instituto Nacional de Educação de Surdos, propiciando a criação, garantia e implementação de Escolas Públicas Bilíngues de Surdos em consonância com a lei 14.191/2021”.
O Estado Brasileiro precisa garantir e facilitar a formação e o desenvolvimento da identidade linguística das comunidades surdas, em espaços constituídos, essencialmente, para crianças, adolescentes, jovens e adultos surdos, conforme emana a Convenção da ONU, proporcionando conhecimentos sobre a história cultural do povo surdo, suas narrativas, arte e identidades, enaltecendo sua língua e cultura.
A Escola Bilíngue de Surdos é espaço necessário e fundamental para a aquisição precoce da língua de sinais e alfabetização de crianças Surdas que, por conviver em sua grande maioria com famílias e comunidades não sinalizantes de Libras, tardiamente, se encontram com a língua de sinais, que lhes é acessível. Esta compreensão socioantropológica sobre os surdos caminha ainda na mesma linha pedagógica e cientifica das modalidades escolares indígenas, quilombolas e do campo e é sob essa compreensão e, sobretudo pelas especificidades e dimensões estratégicas, que a Diretoria de Políticas de Educação Bilíngue de Surdos deve ser mantida na organização estrutural do Ministério da Educação.
Esperamos que a DIPEBS seja reintroduzida no fluxograma do MEC e que seja liderada por vozes representativas do movimento surdo em favor da educação bilíngue de surdos.
À COMISSÃO DE TRANSIÇÃO DO GOVERNO LULA, no dia 16 de novembro de 2022, foi entregue CARTA EM DEFESA DA MANUTENÇÃO DA DIRETORIA DE POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO BILÍNGUE DE SURDOS – DIPEBS, com o seguinte teor:
A educação de surdos, reconhecida legalmente como campo pedagógico que incorpora ações linguísticas, culturais e identitárias da comunidade surda, necessita de políticas educacionais que respondam aos requerimentos dos estudantes surdos. Por muito tempo essa comunidade, composta por surdos e ouvintes, alinhados na luta pela defesa do direito e da seguridade da vida surda, com as suas manifestações culturais e expressividade em língua de sinais, apontam insatisfações com o caminho adotado pelas políticas educativas para alunos surdos, em todos os níveis e modalidades da educação.
Nessa luta, engajam-se pesquisadores da área da educação de surdos, em abordagens diversas, incluindo-se a Sociolinguística que, desde 1990, com a instituição da política de educação inclusiva, tem apontado seus impactos negativos quanto ao desenvolvimento educativo de alunos surdos. Tais contraposições referem-se à falta de uma política educacional com foco em uma perspectiva linguístico-cultural de modo sistêmico, iniciada desde a educação infantil. A partir desses estudos, contrários à organização educativa pautada pela lógica inclusiva, sem o respaldo de uma política da diferença, levantamos alguns de seus sérios problemas:
1) aquisição tardia de linguagem de crianças surdas filhas de pais ouvintes, impactando nas ações escolares e na responsabilidade do sistema que não oferece as condições linguísticas e necessárias aos surdos;
2) atraso no desenvolvimento de alunos surdos em decorrência da falta de uso de um sistema linguístico comum (a Libras – Língua de Sinais Brasileira, por exemplo), desde o seio familiar estendendo-se à escola a responsabilidade de favorecer a interação e a produção de conhecimentos educativos, transformando-os em conceitos simbólicos;
3) uso da língua de sinais como instrumento de acesso à língua portuguesa e não como língua de instrução e de produção de conhecimento;
4) falta de inserção de conteúdos culturais no currículo escolar, de forma a possibilitar aos alunos surdos sentirem-se partícipes da história, apropriando-se da luta dos povos surdos;
5) formação precária dos educadores e da equipe escolar para o ensino de alunos surdos, tendo a Libras como língua de instrução, ensino, comunicação e interação, e para a promoção da almejada educação bilíngue;
6) falta de diretrizes formativas e operacionais para a implementação sistêmica da educação bilíngue (da educação infantil à pós-graduação) nos estados, municípios e entes federados;
7) falta de instrumentos avaliativos em Libras e de formação educativa para promover parâmetros avaliativos do desenvolvimento de alunos surdos em contexto bilíngue, trazendo em pauta a pessoa surda em sua perspectiva social, promovendo avaliação por meio de instrumentos e parâmetros produzidos especificamente para estudantes surdos;
8) carência de estudos e preservação de Línguas de Sinais Indígenas nas terras indígenas e ausência de implantação e implementação de formação de professores indígenas em Línguas Indígenas de Sinais – LSI e Libras.
Outros apontamentos poderiam ser destacados, mas esses oito pontos marcam alguns dos resultados encontrados em pesquisas de mais de 30 anos, ainda sem intervenção efetiva no âmbito das políticas públicas. Tais pontos argumentam a urgência de políticas sólidas de seguridade da vida surda por meio da gestão federal na produção de diretrizes de implementação da modalidade de educação bilíngue de surdos, aprovada em 2021, a partir da alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).
Essa pauta é extremamente importante e deve se dar como política educativa do Ministério da Educação (MEC), por meio de propostas que viabilizem caminhos e traçados que cheguem aos educadores, que por sua vez, devem modificar condutas em escolas, com adoção de práticas educativas em salas de aulas das redes escolares no Brasil. É necessário, portanto, que a modalidade da educação bilíngue de surdos, afirme-se como uma política de estado.
Nesse sentido, entendemos ser precípuo que o novo governo assuma o compromisso de manter a Diretoria de Políticas de Educação Bilíngue de Surdos (DIPEBS) e que ela seja composta por profissionais surdos qualificados para a promoção de procedimentos educacionais adequados à educação bilíngue de surdos. Essa reivindicação atende ao termo de compromisso assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante o pleito eleitoral, conforme anexo.
Assim, pedimos que a comissão de transição seja constituída com vozes representativas do movimento surdo em favor de uma educação bilíngue de surdos, que defende a visibilidade de língua de sinais para que o governo Lula seja constituído por pessoas surdas que dão vozes a uma política linguística e educacional condizente; para que o Estado brasileiro tenha condições de oferecer e facilite a formação e a constituição da identidade linguística da comunidade surda conforme emana a Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, bem como ouvir a demanda e reivindicação dos atualmente 71 (setenta e um) Doutores Surdos e Doutoras Surdas da área de educação e linguística de surdos.
O pleito não foi acatado. Muito pelo contrário, a diretoria citada foi extinta. Tornamos público o fato e solicitamos aos conterrâneos da Comunidade Surda cearense, que assumem o Ministério da Educação, Senhor Camilo Santana e Sra. Izolda Cela, que resgatem a Diretoria de Políticas de Educação Bilíngue de Surdos na estrutura organizacional do Ministério da Educação, mantendo com os Surdos brasileiros o mesmo diálogo que travaram, em nível estadual, quando atuavam no governo do Estado do Ceará, fazendo da Educação Bilíngue de Surdos no Ceará referência nacional. Seguimos o lema da Convenção Internacional das Pessoas com Deficiência, nada sobre nós surdos, sem nós surdos!
Reiteramos protestos de admiração e respeito, e colocamo-nos à disposição pelo email educacional@feneis.org.br ou pelo celular (34) 99210-5635 (mensagem de texto).
Dra. Flaviane Reis
Diretora Política Educacional e Linguística